segunda-feira, novembro 22, 2004

Guia prático para fazer um doutoramento fora - Parte III

Meios de subsistência

Isto de vir para fora tem montes de piada (por acaso, até nem tem, as saudades de casa são muitas e os primeiros meses custam que se fartam), as bolsas da FCT são muito generosas (os bolseiros portugueses são os mais bem pagos da Europa, obrigado Mariano Gago), mas ...

Mas quando se vem para fora é preciso contar com: dinheiro para viagens (a primeira viagem, o regresso no natal, etc); caução do aluguer (pode chegar a qualquer coisa como 2 meses de renda); instalação de telefone, internet, compra de itens de mobília (mesmo que o apartamento esteja mobilado é sempre preciso comprar pequenas coisas para casa) e é preciso contar com o atraso dos pagamentos das bolsas!

A FCT paga bem, e a horas (no dia 1 de cada mês o dinheiro está na conta) mas o primeiro pagamento pode atrasar. Ou melhor, o primeiro pagamento atrasa! É um dado adquirido. Estamos quase em Dezembro e não sei se vou começar a receber no próximo mês ou só em Janeiro. Ok, pagam com retroactivos, mas retroactivos não compram comida. Por isso, o que pode um gajo fazer?

Bem, eu vendi um carro. Quem não tem carros para vender tem de encontrar qualquer coisa que lhe garanta o dinheiro para os primeiros meses. Eu ainda estou dentro do orçamentado, mais ou menos, mas com os atrasos do orçamento de estado as verbas vão-se esgotando. Ok, nada de grave, há sempre reservas a que posso recorrer. Mas passa-se por um aperto completamente desnecessário se as coisas fossem feitas atempadamente. Os resultados do concurso foram conhecidos a meio de Agosto mas só em Novembro é que as bolsas foram homologadas pela Ministra da Ciência. Depois é preciso esperar pela aprovação do Orçamento de Estado (nunca pensei dizer "ainda bem que temos uma maioria absoluta de direita no Governo", mas se o orçamento não fosse aprovado tava bem enrascado) e depois é preciso esperar que o dinheiro chegue aos cofres da FCT para eles começarem a fazer os pagamentos. E isto tudo demora... 3 meses!

Seria muito mais fácil se não se recorresse, em Portugal, a truques e fintas para criar valores artificiais do deficit público. Atrasa-se o pagamento de tudo o que se puder atrasar para que o saldo em 31 de Dezembro permita apresentar os célebres 3% do PIB quando Bruxelas perguntar se se gastou muito dinheiro. É claro que à conta disso quem apanha por tabela é quem espera dinheiro do estado. Mas é preciso que as contas "batam certo" e o deficit fique dentro das margens estipuladas. Nem que para isso se tenham de vender as receitas das portagens para os próximos 50 anos. Nem que para isso se vendam os créditos fiscais do estado a quem tenha capacidade de os cobrar. Nem que para isso se venda mais uma empresa pública num processo de privatização duvidoso e acelerado para encaixar o dinheiro rapidamente. Nem que para isso se venda o Palácio de S. Bento ou se hipoteque Lisboa e Vale do Tejo ao FMI. Nem que para isso se exija aos bolseiros portugueses no estrangeiro (que foram sozinhos morar longe de casa e dos amigos com a promessa de muitos euros para fazerem a investigação de que gostam) que subsistam 3 meses a viver do ar!

Enfim, é o país que temos.

1 Comentários:

Às 10:44 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

De vender coisas, acho q te esqueceste q também vendemos o nosso sistema de telecomunicações... mas para que é q isso é preciso?!? ;)
CatN

 

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